Arquitetura da felicidade: como uma casa se torna um lar
Por Bruna Bessi
Transformar o imóvel em um lar implica trazer personalidade aos ambientes e atender às necessidades dos moradores
Não há nada mais relaxante do que chegar em casa, desde que a casa seja de fato um lar. Isto é, um espaço que nos acolhe e protege. Onde nos sentimos confortáveis com nós mesmos e identificamos os objetos, a disposição dos móveis, os habitantes e os hábitos, porque todos refletem nossos gostos e desejos. “O lar é um espaço único, onde nos desarmamos e vivemos de modo autêntico. Por isso, é essencial ter as necessidades atendidas nesse espaço para sermos felizes”, afirma a psicóloga comportamental Angelita Corrêa Scardua, especialista em psicologia da felicidade.
Isso explica a sensação de frieza e falta de emoção que muitas vezes temos ao entrar em ambientes tirados de páginas de revista ou totalmente decorados por um profissional contratado. “Copiar um projeto pronto resulta em uma aceitação social maior, porém, não nos favorece, porque nossa personalidade não está ali impressa. É apenas o clichê de uma situação confortável”, reforça Leandro Karnal, historiador e professor da Unicamp.
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Investir na personalização dos projetos, com peças de artesanato, fotografias e objetos decorativos que tenham referência direta à história do morador é saída para trazer maior autenticidade e emoção aos ambientes, saindo do lugar-comum. “Fazer a casa pensando nos outros é errado. Se você não gosta de cozinhar, para que investir em uma cozinha ultramoderna? O melhor será canalizar todos os esforços em ambientes de real utilidade”, diz Angelita. O mesmo vale para viciados em limpeza. “Ter muitos enfeites pequenos exige tempo para limpar ou um empregado. Na ausência de ambos, a pessoa ficará estressada e infeliz a maior parte do tempo.”
A perspectiva de que o ambiente afeta as emoções humanas é uma realidade defendida também pelo escritor francês Noël Arnaud, autor da frase “eu sou o espaço onde estou”. Por isso, é essencial compreender o estilo de vida dos moradores ainda no planejamento da arquitetura do imóvel. Segundo a psicóloga, lugares habitados por famílias grandes, por exemplo, são palco de muitas interações, que se encaixam melhor em arquiteturas curvilíneas, repletas de ambientes coloridos. Já pessoas extrovertidas valorizam espaços para receber amigos, além de ambientes de lazer. Moradores introspectivos tendem a gostar de espaços próprios e a se sentir mais integrados em espaços amplos, com iluminação aconchegante.
“O desafio dos arquitetos, no entanto, é acompanhar as mudanças no comportamento das pessoas. Hoje, existem modelos familiares completamente diferentes do que há 20 anos, mas as residências continuam sendo projetadas da mesma maneira”, lembra Fermín Vázquez, arquiteto espanhol. Basta pensar nas dinâmicas existentes em uma família com filhos e outra sem filhos, num grupo de amigos que moram juntos ou em três gerações vivendo sob um mesmo teto. Impossível um mesmo modelo de arquitetura ser ideal a todos. Junte a isso as diferenças de personalidades e estilos de vida, que também exigem constantes adaptações nos projetos de arquitetura e design.
Daí o arquiteto Márcio Kogan assumir quase o papel de psicólogo durante o planejamento de obras e reformas. “Quanto mais entendo o cliente, melhor fica o trabalho. O projeto precisa fazer com que o morador se sinta bem. Apenas crio espaços e móveis, mas é ele quem dá vida ao lugar”, explica. Um exemplo do resultado dessa interação é a construção da Casa 6, em São Paulo. “O cliente adorava ficar no terraço e pediu prioridade. Então, montei o imóvel em torno do local e garanti o máximo de conforto ali, instalando desde cobertura até televisão”, detalha.
A mesma preocupação com a felicidade dos moradores acontece durante o desenvolvimento de uma peça de design. “Busco sempre me colocar na posição do cliente e supor suas necessidades. No mancebo criado para a Ornare, adaptei uma bandeja porque as pessoas desejam guardar itens pequenos como fones, celulares e pen drives”, diz o designer Zanini de Zanine. “O design é o elemento que identifica as pessoas e mostra a personalidade de cada uma. Por outro lado, a arquitetura assume o papel de reforçar estilos. As cozinhas, por exemplo, estão mais abertas porque os moradores querem interagir mesmo durante a preparação a comida”, resume Mário Fioretti, gerente geral de design e inovação da Whirlpool.
Fonte: Delas